Saiba o que aconteceu no IX Congresso Internacional Direitos Fundamentais e Processo Penal na Era Digital

Notícias Privacidade e Vigilância 02.10.2025 por Larissa Costa

Realizado entre os dias 17 e 19 de setembro, o IX Congresso Internacional Direitos Fundamentais e Processo Penal na Era Digital reuniu, na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP),  operadores do direito, representantes de órgãos públicos e acadêmicos. Com o tema “Vigilância, segurança pública e processo penal”, o evento teve debates voltados aos entrecruzamentos da proteção dos direitos fundamentais e o avanço de tecnologias de vigilância que, cada vez mais, passam a ocupar o espaço urbano. 

O Congresso é uma iniciativa do InternetLab, com o apoio da  FDUSP e, nesta edição, foram registradas mais de 300 inscrições.

Após a mesa de abertura, que contou com Fernanda Campagnucci (InternetLab), Marta Saad (FDUSP) e Ivan de Franco (consultor do Congresso), o primeiro dia prosseguiu com a palestra de Cynthia Conti-Cook, advogada de direitos civis e diretora do Collaborative Research Center for Resilience. A pesquisadora abordou o conceito de “insatiable surveillance”: o avanço dos sistemas de vigilância nas cidades e os impactos que esse fenômeno gera ao reforçar e potencializar as injustiças sociais existentes.

“Nós transitamos por ‘paredes de vigilância’ invisíveis toda vez que pesquisamos algo, clicamos numa tela, ou nos movemos nas cidades na vida real”, analisou Conti-Cook. “Algumas pessoas estão cercadas por mais muralhas digitais que outras, como pessoas em liberdade condicional, ou imigrantes ilegais, principalmente nos Estados Unidos de hoje ”. 

A advogada de direitos civis Cynthia Conti-Cook realizou a palestra de abertura do evento.

O primeiro dia se encerrou com o evento de lançamento do oitavo volume do livro “Direitos Fundamentais e Processo Penal na Era Digital – doutrina e prática em debate”. A coleção é um sumário das discussões realizadas no Congresso do ano anterior. O livro deste ano e as edições anteriores estão disponíveis no site do Congresso.

Painel 1: Provas por vídeo e desafios da investigação

O segundo dia do evento contou com dois turnos de atividade. Pela manhã, o primeiro painel contou com quatro palestrantes: dr. Alexandre Bessa, delegado da Polícia Federal; dr. Carlos Eduardo Palhares, chefe do Instituto de Criminalística da Polícia Federal; dra. Clarissa Diniz Guedes, professora da Universidade Federal de Juiz de Fora; e a dra. Sandra Avila, professora da Universidade de Campinas (Unicamp). 

As professoras abordaram os desafios do uso de evidências em vídeo em investigações, abordando as dificuldades de vieses tanto humanos quanto de Inteligência Artificial para análise de material probatório audiovisual. Palhares e Bessa, por sua vez, apresentaram um estudo de caso sobre a investigação forense do 8 de janeiro, enfatizando o papel das provas audiovisuais nesse processo. 

Mesa do primeiro painel – da esquerda para a direita: Marta Saad (mediadora), Clarissa Diniz, Sandra Avila e Carlos Eduardo Palhares. No telão, Alexandre Bessa.

Painel 2:  Reconhecimento facial e novas tecnologias

O segundo painel do Congresso contou com Fernanda Balera, defensora pública da Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DPESP); Horrara Moreira, diretora da Curumim Erê Assessoria Jurídica Popular; e o dr. Guilherme Madeira, professor de Direito Processual Penal na FDUSP. 

Os palestrantes analisaram criticamente a implementação de tecnologias de reconhecimento facial e de vigilância na segurança pública. Através de dados e de exemplos, os especialistas abordaram as problemáticas da falta de regulamentação envolvendo essas tecnologias, e como sua implantação implica em riscos para as liberdades civis, como o direito à privacidade. Foram também abordados os impactos sobre populações marginalizadas, especialmente envolvendo pessoas pretas.  

Mesa do segundo painel – da esquerda para a direita: Guilherme Madeira, Ivan de Franco (mediador), Horrara Moreira e Fernanda Balera.

Painel 3: Espaço, monitoramento e controle de dados

O terceiro painel da noite contou com dr. Daniel Edler, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP); dr. Rafael Francisco França, delegado da Polícia Federal; dr.  Rodrigo Caldeira, promotor de justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP); e dra. Fernanda Campagnucci. 

Os painelistas analisaram diferentes políticas envolvendo tecnologias de vigilância no espaço urbano e seus efeitos – como o uso de câmeras corporais por forças policiais, o programa de vigilância Muralha Paulista e o emprego de drones com câmeras de vigilância na fronteira. Além disso, os integrantes também apresentaram recomendações para mitigar as possíveis ameaças postas por essas tecnologias aos direitos fundamentais. 

Da esquerda para a direita: Rodrigo Caldeira, Clarice Tavares (mediadora), Fernanda Campagnucci, Rafael França e Daniel Edler.

Painel 4: A expansão do mercado da segurança privada

Encerrando o dia de debates, o quarto painel contou com a presença de Marina Rongo, assessora de enfrentamento à violência institucional da Conectas Direitos Humanos; dra. Maíra Zapater, professora de Direito Penal e Processo Penal da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp); e o dr. Pablo Nunes, coordenador da iniciativa O Panóptico do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania. 

Os participantes discutiram a expansão de iniciativas privadas de vigilantismo na segurança pública brasileira. Rongo focou na questão da vigilância com tecnologias de reconhecimento facial e nos riscos que isso apresenta para os direitos fundamentais. Zapater, por sua vez, usou a oportunidade para desconstruir a associação entre processo penal e segurança pública e apresentar uma tese sobre o medo como fenômeno coletivo – e sobre como esse sentimento é mobilizado pela segurança privada. Já Nunes traçou um panorama histórico do mercado de segurança privada, enfatizando como as fronteiras entre iniciativas de segurança entre o público e o privado têm se tornado cada vez mais difusas. 

Da esquerda para a direita: Helena Secaf como mediadora, com Maíra Zapater, Pablo Nunes e Marina Rongo.

Mesa Redonda – Cidades vigiadas: segurança, tecnologias e direitos fundamentais

A mesa redonda foi composta por integrantes com diferentes repertórios, fornecendo uma perspectiva interdisciplinar sobre o debate do monitoramento no espaço urbano. Participaram dra. Tainá Junquilho, professora de Tecnologia, Inovação e Direito do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP); dr. Bruno Cardoso, professor associado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); José Armênio Brito Cruz, superintendente da SPUrbanismo; e dra. Gisele Craveiro, professora do programa de pós-graduação em Mudança Social e Participação Política da Universidade de São Paulo (USP).

Através da perspectiva do direito, da tecnologia e do planejamento urbano, os participantes travaram um diálogo acerca da relação entre o monitoramento massivo e o espaço das cidades, e como essa relação pode representar uma erosão do direito à privacidade e a exacerbação das injustiças sociais. As discussões também trouxeram pontos sobre a necessidade de maior governança e regulação das tecnologias de vigilância. 

Da esquerda para a direita: Tainá Junquilho, José Armênio Brito, Francisco Brito Cruz (mediador), Gisele Craveiro e Bruno Cardoso

Palestra de encerramento

A finalização do evento ficou por conta do Secretário Nacional de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Marivaldo Pereira. Durante sua fala, o Secretário abordou o panorama complexo da segurança pública no Brasil, e o andamento da PEC da Segurança Pública (PEC 18/2025) nas discussões do governo. 

“De nada adianta empoderarmos a União nesses debates se a sociedade civil não participa. Se os protocolos e critérios [de regulação de tecnologias] forem definidos por quem opera, só pelas corporações, o risco de termos violações de direitos torna-se muito grande”, refletiu. 

Ivan de Franco introduz o secretário Marivaldo Pereira durante a palestra de encerramento.

Sobre o Congresso 

Desde 2017, o Congresso Internacional Direitos Fundamentais e Processo Penal reúne especialistas no debate de temas existentes na intersecção do processo penal, da tecnologia e da garantia de direitos fundamentais. O histórico das edições passadas do evento está disponível no site do InternetLab. 

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