“O Estado tem que entender que agora não tem volta. É preciso ter uma política pública de conectividade de verdade”

Notícias Desigualdades e Identidades 27.06.2025 por Stephanie Lima, Fernanda Casagrande de Miranda Caribé e Vitor Santos Vilanova

Célia Cristina da Silva Pinto, do território quilombola Acre Cururupu/MA, liderança e representante do coletivo de mulheres negras rurais quilombolas, é nossa segunda entrevistada no Especial Redes da Floresta, jogando luz sobre o cenário do acesso à internet no Maranhão e apontando os principais desafios à conectividade plena.

Em entrevista ao InternetLab, Célia conta sua história de vida e de luta diante do movimento quilombola, e traz à tona questionamentos sobre quais caminhos devem ser percorridos para o atingimento da conectividade efetiva nas comunidades quilombolas. Ela enfatiza que embora a internet seja um instrumento importante para o bem-viver quilombola, o acesso pode gerar riscos e danos caso não seja acompanhado de um treinamento e preparação para lidar com a sua chegada nas comunidades. 

Frente aos questionamentos de lideranças devido ao uso da tecnologia da Starlink, Célia defende: “Não é um acesso direto. A gente não pega, por exemplo, a internet direto da Starlink e usa. A gente tem o nosso recebedor, eles fazem um filtro, e é só aí que o resto da comunidade recebe o acesso. Tem uma senha, tem todo um controle. Então, de certa forma, a gente tem um controle sobre o que estamos acessando.”

Para Célia, a permanência das comunidades quilombolas depende diretamente da criação de políticas públicas efetivas que apontem para a conectividade e o acesso à internet pleno, dado que, de acordo com ela, “o mundo tecnológico está aí. Quem não está inserido está fadado a ficar no esquecimento.”

CONFIRA NA ENTREVISTA:

InternetLab: Gostaria que você se apresentasse e contasse um pouco sobre a sua trajetória de vida e de luta, além do trabalho que você faz. 

Célia: Eu sou Célia Cristina da Silva Pinto, mais conhecida como Célia Pinto. Eu sou do quilombo Acre Santa Maria, que fica no município de Cururupu, no litoral ocidental do Maranhão. Eu tenho 56 anos. Hoje eu sou técnica do projeto Vida de Negro, do Centro de Cultura Negra do Maranhão. Também sou liderança da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas, a CONAQ. Hoje eu estou no coletivo de Meio Ambiente, Mudanças Climáticas e Agricultura Quilombola, e também no coletivo de mulheres da CONAQ. 

A minha trajetória de vida é como a de muitos que estão na liderança do movimento, hoje. Meu pai é agricultor, minha mãe professora. Eu não nasci no quilombo, nasci em São Luís, onde meus pais se conheceram. Meu pai começou a participar do sindicato de trabalhadores rurais e foi convidado pra se associar – se associou. Depois, foi convidado para ser dirigente, mas, como meu pai era semianalfabeto, ele precisava de alguém que ajudasse ele. Eu, que já estava com meus 12, 13 anos de idade, acompanhava ele pra ir pras comunidades, pros quilombos, pra fazer associação. Participava das reuniões, anotava as coisas, ajudava as pessoas a escreverem seus nomes. Pra onde ele ia, ele me levava. Nesse meio tempo, minha mãe me colocou pra fazer a catequese, e quando eu fiz a minha primeira comunhão, me convidaram pra ser catequista, para participar de um grupo de jovens. Então, eu já andava com o meu pai pras comunidades e aí eu fui pro grupo de jovens. Quando tinham os encontros, eu sempre estava lá. Eu sempre muito calada, muito tímida – para falar era uma luta. Mas tinha hora que eu dizia, “não, pô, eu tenho que meter meu bedelho aí”. Aí eu começava a falar. Com isso, o pessoal começava a me ver como uma pessoa que tinha que estar nos espaços, para estar falando.

Na década de 90, conheci o Centro de Cultura Negra do Maranhão. O saudoso Magno Cruz foi lá no meu município dar uma palestra sobre a questão da identidade negra, convidado por uma pessoa lá de Cururupu, que já frequentava o Centro de Cultura Negra. O nosso grupo de jovens foi convidado para participar. A gente participou, escutou e, a partir daí, começou a entender. Entender o porquê a gente sofria essas coisas. Por que nas nossas comunidades não tinha energia, não tinha uma estrada, mas tinha uma outra comunidade – que não era de negros – que tinha energia, tinha estrada, tinha tudo. E o fio de alta tensão ainda passava por cima da nossa. Com a ida dele lá, a gente resolveu criar um grupo de movimento negro no município, que foi chamado de Grupo de Consciência Negra de Cururupu (GCNC). 

Em 95, a gente resolve constituir o Grupo de Conscientização Negra Omnirá, que hoje é o Instituto Omnirá – que eu fui uma das primeiras coordenadoras. A partir dessa organização, a gente começou a levar as informações para as comunidades negras rurais do município de Cururupu e da região de entorno, a participar dos encontros de comunidades que o Centro de Cultura Negra organizava aqui no estado. Isso continuou, até que a gente foi convidada para participar do encontro estadual em que criamos a Associação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas do Maranhão, que é a ACONERUQ, onde eu fui secretária da plenária que constituiu a organização – também sou sócia fundadora. Depois, me vi envolvida com outras questões até chegar na CONAQ, em 2011. Nós realizamos o nosso quarto encontro, no Rio de Janeiro, eu participei como delegada, representando a minha comunidade. Até que, em 2017, eu saio como eleita coordenadora titular do Maranhão. Vamos para o encontro nacional, que aconteceu em Belém, nesse mesmo ano. Em 2018 a gente vem para o Quilombo Mesquita, para a eleição da coordenação executiva, em que eu fui eleita coordenadora executiva da CONAQ.

InternetLab: Por que você acha que hoje o acesso à internet é importante para a sua comunidade, para a população quilombola e para a população geral? Como você observa que as comunidades utilizam a internet? Existe alguma formação para isso?

Célia: O mundo tecnológico está aí. Quem não está inserido, está fadado a ficar no esquecimento. Hoje, tudo se resume a acesso à internet – tudo é virtual. Para a gente ter um acesso a qualquer coisa do governo, a gente tem que entrar num tal de GOV para acessar qualquer informação que seja. Se vai mandar um ofício, não se protocola mais físico – tem que entrar num tal de SEI, um sistema. Então, como é que a gente vai ficar sem ter acesso? É uma das coisas que nos chamou muito a atenção, porque a gente já vinha dizendo que a gente precisava ter internet – claro, internet com qualidade, para que, de fato, a gente consiga acessar tudo isso – e a gente já percebia essa mudança no mundo. Mas isso se tornou muito mais visível e muito mais necessário para nós no período da pandemia, que foi o momento em que a gente sentiu que realmente vivíamos à margem de tudo. Quando chegou a pandemia, tudo que se fazia era através dessa telinha, através de reuniões online –  tudo online, e a gente não tinha acesso à internet de qualidade. A gente comprou uma internet, pagamos 200, 300 reais para ter que ficar com a câmera e o áudio desligados em uma reunião, porque ainda falha. Quando vem uma chuva, o sinal desaparece. 

Hoje o mundo é esse, e a gente precisa acompanhar – porque, se não, nós vamos ficar mais à margem do que já estamos. Porque tudo hoje é informatizado: para registrar, para ter acesso ao protocolo – para requerer, por exemplo, a regulação fundiária dos nossos processos – a gente precisa ter a internet, já que hoje tudo é online. Mas nós temos também que saber usar ela a nosso favor, porque, para muitas pessoas que o acesso já tinha chego, elas utilizavam para estar no Facebook, para estar nas redes sociais. Não estavam de fato utilizando essa ferramenta que é tão importante para a nossa luta. 

Eu costumo dizer, “olha, hoje a gente tem internet, mas não é para ficar de bate-papo no WhatsApp e colocando coisa no Instagram – não é para isso”. Isso aqui é uma ferramenta importantíssima que nós temos nas nossas mãos para que a gente possa fazer denúncias, fazer cobranças, e também para mostrar nossa cultura, nossa forma de ser e de existir. É para a gente estudar, para a gente se qualificar, para a gente se informar.

Então, esse é o desafio que temos hoje. Porque a internet chegou, mas chegou de qualquer jeito, e a gente não estava preparado para receber essa ferramenta. Por exemplo, a comunidade, quando ela não tem energia, ela se organiza, de certo modo. Ela fica mais unida, parece que ela fica mais fortalecida. Isso a gente conversava lá atrás – que quando a energia chega, ela traz consigo várias coisas. A primeira coisa que chega é a televisão: aí a gente vai assistir à televisão, mas a gente não está preparado para entender os conteúdos que são passados nela, para fazer uma reflexão da nossa realidade. A mesma coisa é com a internet. Ela é de extrema importância para nós, para nos fortalecer e fortalecer nossa luta, mas ela também é uma ferramenta que pode acabar com a gente. Que pode nos enfraquecer, que pode inclusive nos disseminar, tirar a gente do mapa. Esse é o risco que a gente percebe, que é talvez o nosso maior desafio: saber como utilizar essa ferramenta à nosso favor. À favor da nossa luta, de garantia de nossas vidas. Inclusive, a CONAQ conseguiu um projeto em parceria com algumas organizações, que é o Conexões Povos da Floresta, para que algumas comunidades recebam internet. Outras comunidades recebem por meio da internet do governo federal e de outros institutos, outras adquirem com seus próprios recursos. 

Falando sobre como as comunidades utilizam a internet e se existe alguma formação – isso é muito relativo porque, como eu estava falando, depende de como a comunidade teve acesso à internet. Antes da pandemia já existia aquele programa do governo federal, Conecta Brasil, que chegava em algumas comunidades, principalmente nas escolas. O acesso que a gente tinha mais diretamente com a internet, na maioria das nossas comunidades, era na escola. Tinha algum programa do governo de inclusão digital, ou centros de telecomunicação, teleinformática e tal. Era assim que chegava: ou chegava na comunidade, ou chegava na escola que atendia a comunidade. 

Os alunos usavam para fazer pesquisa, mas outros usavam mesmo para acessar o Facebook, outros aplicativos. Com essa questão da necessidade de ter acesso às redes sociais, as pessoas foram adquirindo a internet por conta própria. E, se a pessoa adquire por conta própria, ela não vai dizer: “ah, preciso de formação aqui para me ensinar como é que usa e como é que não usa”. No projeto do Conexão Povos da Floresta, aí, sim, quando a internet vai ser instalada, é conversado com as pessoas. Existem cursos para as pessoas acessarem, para entenderem para quê serve a internet, e também tem os facilitadores, que são as pessoas que ficam na comunidade e garantem o acesso dos demais. Mas isso é muito novo, e só acontece dentro do Conexão Povos da Floresta. 

É justamente essa a nossa preocupação que eu falei anteriormente. A gente já vinha usando a internet, mas usava porque tinha necessidade de se relacionar. Não chegou ninguém dizendo: “vamos ensinar a como usar corretamente”. Então, com o Conexão Povos da Floresta, a internet é coletiva, e não individual. Ela é instalada num centro, numa associação ou num outro espaço de circulação da comunidade, do coletivo. E a necessidade de termos essa internet seria para estudos, para pesquisa, para se formar e para se informar.

InternetLab: Você mencionou alguns programas do governo federal que disponibilizavam a internet nas escolas. No estado do Maranhão, existe algum outro projeto do governo estadual ou municipal, com estratégias de conectividade para inserir a internet ainda mais nas comunidades?  Gostaria que você contasse também um pouco mais em detalhes sobre o projeto do Conexão Povos da Floresta. Existe alguma preocupação em relação ao fato da Starlink ser a única que está fornecendo a internet para as comunidades? Como está o andamento do projeto no Maranhão?

Célia: Olha, eu particularmente desconheço algum outro projeto do governo além dos que instalam a internet em espaços públicos, como nas escolas. Existe uma parceria entre o governo federal com o governo do estado para instalar a internet nas comunidades. Tem, por exemplo, um programa de internet do governo do estado que coloca a internet em vias públicas, em espaços públicos, para que todo mundo tenha acesso. A gente precisa chegar numa praça, e só ali tem internet para todo mundo. Um espaço de circulação. Mas específico para as comunidades, para ser instalado nas comunidades, não. Tem esse que é do governo federal em parceria com o estado, que o estado articula, mas só quando articula – porque eu não estou vendo onde é que está sendo implantado. Pelo menos nas comunidades quilombolas que eu conheço, não tem nenhum implantado. Aposto que tenha em outras comunidades tradicionais, ou comunidades rurais, alguém por aí.

Sobre o Conexão, o que eu sei é um pouco do que já mencionei. Eu participei do início do debate, mas quem coordenou esse programa é o Galiza, que é do Pará. Inclusive, as comunidades do Pará acho que já estão com quase 80% de comunidades onde já foi instalado a internet. Tem no Amapá, Tocantins – aqui no Maranhão, nós já temos algumas. Mas, de fato, internet com a qualidade como tem a Starlink, não tem. Até essas pagas, como no caso da minha comunidade, não tem a mesma qualidade que tem a Starlink, que a gente tem utilizado hoje.  Algumas lideranças já vieram questionar o uso dessa internet, pelo fato de ser a Starlink do Elon Musk. 

Uma vez estava conversando com o Galiza e ele explicou como se dá o acesso à internet do projeto. Não é um acesso direto. A gente não pega, por exemplo, a internet direto da Starlink e usa. A gente tem o nosso recebedor, eles fazem um filtro, e é só aí que o resto da comunidade recebe o acesso. Tem uma senha, tem todo um controle. Por isso que tem esse facilitador, essa pessoa que é treinada para poder liberar o acesso para as pessoas da comunidade. Então, de certa forma, a gente tem um controle sobre o que estamos acessando. Se a gente entrar na rede diretamente, possa correr um risco de os nossos dados vazarem e tal. Mas nós temos esse cuidado de criar uma senha, um login. Só acessa quem for liberado pelo articulador, que é o responsável naquela comunidade para liberar o acesso. A equipe técnica tem esse monitoramento, ela acompanha e sabe onde é que está dando problema, onde não está – não precisa nem vir aqui. É só dizer para os meninos lá no Pára: “olha, está dando problema aqui”. Aí ele vai no sistema e consegue identificar o problema, e já resolve. Então a gente tem esse certo controle, entende? Porque não é aberta, ela não é aberta.

Agora, de fato, isso traz preocupações. Porque a gente acompanha e vê que esse mundo não é seguro. A gente sabe que, qualquer que seja a internet que se usar, não é 100% seguro. Nem a que a gente paga, nem essa do governo – que vira e mexe o povo está hackeando. Então, não é nada seguro, né? A gente sabe que a gente está aí num campo de seguridade zero, mas a gente tenta se prevenir, de certa forma. De ter o maior controle para a gente também não ficar tanto no prejuízo. Então é justamente por conta dessa preocupação que se montou o processo da internet dentro desse sistema, em que tem uma rede de pessoas que fazem o controle de acesso. É por isso também que, na comunidade, existe esse controle do que se pode ser acessado – e também como pode ser acessado. Existem treinamentos que são feitos com as comunidades, com as lideranças e com a pessoa que está no papel de articulador. É aquela história: se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Então, é preciso encontrar formas e estratégias de garantir o acesso sem ficar muito vulnerável a esse sistema que está aí.

Sobre o Conexão Povos da Floresta aqui no Maranhão. Eu não sei se já tem 20 comunidades com acesso – em uma primeira demanda que fizemos, acho que tiveram 12 comunidades. Depois, coletamos uma segunda demanda, e acho que deve ter em torno de umas 20, mas não sei se chega à isso. Mas tem um dificultador: a internet é de uso coletivo, e depois de um período você tem que contribuir com um valor – no primeiro ano é gratuito, mas do primeiro para o segundo ano tem que pagar uma taxa. E como é um sinal coletivo, tem muita gente que não quer pagar e que está tendo dificuldade de entender qual é o objetivo dessa internet. Que ela não é só conexão, por conexão. Tem, sim, uma conexão, mas por conta dela tem muitas e muitas outras coisas. Tem informação, prestação de serviço – por exemplo, tem a telemedicina, que já está funcionando, em que as pessoas podem se consultar com o médico da sua casa e só ir para o hospital se caso o médico detectar que é necessário. Tem cursos de formação, de empreendedorismo – uma série de coisas vem junto com essa conectividade. Mas as pessoas são muito comodistas e individualistas. Se eu não tenho como acessar a internet da minha casa para ficar aqui sentada na minha sala, e tenho que me deslocar para a sede da associação para ter acesso, eu não quero pagar. Essa é uma dificuldade que a gente encontra, aqui no Maranhão, principalmente, quando vai se fazer a mobilização. As pessoas ainda não conseguem entender o ganho que vão ter com uma internet de alta qualidade na comunidade, que vai gerar muitos benefícios para além da conectividade.

A gente tem internet, agora, só que está demorando chegar para a instalação. Nós mandamos desde o ano passado duas listas, mas esse ano ainda não vieram fazer a instalação. Ontem mesmo eu estava cobrando o coordenador, dizendo, “e aí? Como é que fica? Cadê o estado do Maranhão?” Nós somos mais de mil comunidades quilombolas aqui no Maranhão, então, para chegar, vai ter que ser muita conexão. O Povos da Floresta tem que ficar não sei quantos anos depois que sair do Pará, vir para cá, para o Maranhão, e entrar só no Maranhão para botar a internet nessas comunidades. Mas estamos priorizando também aquelas que estão mais distantes, mais difíceis de acesso. As que estão mais próximas das cidades, dos centros urbanos, é mais fácil as pessoas ficarem entre lá e cá. As que estão mais distantes, que têm mais difícil acesso, que estão em situação de vulnerabilidade, de conflito, estamos priorizando. E aí, dialogando com eles, eles vão aceitando, a gente vai instalando, vai vendo a melhor forma.

InternetLab: Você falou de vários desafios para a conexão efetiva da comunidade. Pensando nisso, quais os caminhos e soluções você acha que deveriam ser implementados para resolver essa problemática da melhor forma, tanto no Maranhão, especificamente, quanto nas comunidades quilombolas?

Célia: Para mim só tem um caminho. É, de fato, ter uma política de conectividade, de acesso à internet. Não se tem uma política. Existem alguns programas e ações pontuais, mas  uma política de conectividade, de acesso à internet das populações que estão, principalmente, em situação de vulnerabilidade – como as comunidades rurais que estão ali à margem de tudo –, não. Para mim, eu só vejo isso. É o estado – e eu não falo nem só para o estado do Maranhão, mas eu falo também a nível nacional. É garantir que as populações possam ter acesso à uma internet, e internet com qualidade. Não basta dizer que tem um programa de conectividade, mas que se você conecta em um celular, não pode conectar no outro. Ou então, se você está no celular, você não pode acessar também a internet no notebook, porque não a qualidade piora. 

Aqui, no Maranhão, o Bira do Pindaré era secretário de ciência e tecnologia quando ele veio com uma ideia. Ele tinha um projeto de instalar a internet nas comunidades, nos povoados – trouxe até um pesquisador, um estudioso, que sentou e se reuniu com a gente e com algumas lideranças. Nos chamou lá na secretaria e propôs um projeto, dizendo que havia possibilidade de instalar a internet através de fibra ótica. Só que na minha região, por exemplo, nós temos muitas ilhas. Como é que vai chegar a internet nessas ilhas, que nem energia tem? Como garantir que a internet chegue a essas comunidades que estão lá? Ele trouxe esse estudioso, ele apresentou um projeto muito interessante, mas ficou só no papel. Depois ele saiu da secretaria de ciência e tecnologia e foi ser deputado federal, e a outra pessoa que assumiu não deu continuidade no projeto.

Existem meios e existem caminhos, basta querer fazer. O Estado tem que entender que agora não tem volta. É preciso ter uma política pública de conectividade de verdade, não somente um programa pontual. É a mesma coisa com política fundiária, a política de saúde, a política de educação – tem que ser uma política de informatização, de acesso à internet, de informática, de sistema. Se o próprio governo já se estrutura com base em um sistema de acesso remoto, como é que ficam as populações que não têm acesso à internet, para acessar justamente o governo?

InternetLab: Estamos encerrando a entrevista. Você gostaria de adicionar ou reforçar mais algum ponto que não mencionamos?
Célia: Não tem outro caminho ou pensar diferente além de garantir acesso para todo mundo. E eu digo, não é acesso por acesso, é acesso com qualidade. Porque o que a gente já teve ao longo dos anos, é tudo meia boca, como diz o povo. Que seja algo com qualidade de verdade, que a gente possa ter, sentar, fazer um curso e ter formação – não só chegar com a internet e pronto. Eu acho que é preciso ter uma política de informação, que explique para que serve essa internet e  como utilizar. Nós, do movimento, temos que fazer esse dever de casa, né? Fazer com que nossas lideranças e nossas comunidades possam utilizar a internet a nosso favor – possam utilizar a conectividade para nos fortalecer, e não para nos enfraquecer.

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